sábado, 30 de junho de 2018

O lorde do oeste cap 2


- A quanto tempo não nos vemos...-Ele ficou irônico, e riu como se já tivéssemos nos visto antes. Aumentou o tom de voz-SAFIRA!
Franzi a testa a fim de averiguar se eu tinha ouvido direito. O meu nome não era Safira, e também não seria possível ele dizer o meu verdadeiro nome, já que tínhamos acabado de nos conhecer.
- Você deve estar me confundindo com outra pessoa, garoto. Eu não me chamo Safira- Respondi educadamente, era normal confundir as pessoas, acontece.
- Não pense que eu sou idiota Safira! Eu sei que é você!- Ele insistiu.- Você continua com a mesma cara cínica e a mesma voz irritante!
- Eu já disse que eu não sou a Safira! O meu nome é Agnes! E eu nem sou daqui, estou te conhecendo agora!- Eu já estava ficando sem paciência. Quem era ele para me chamar de cínica e dizer que a minha voz é irritante? Se eu era parecida com aquela tal de Safira, a culpa não é minha!
Ele levantou o meu queixo para me olhar com mais precisão. O modo grosseiro com que ele lidou com o meu corpo fez o meu pescoço doer. Virou de um lado, e depois do outro. Logo, senti-o pegar uma mecha do meu cabelo e pensar.
- Tem alguma coisa errada com você Safira. O seu cabelo está com uma cor muito feia e estranha... Acho melhor você lavar, deve estar sujo de alguma coisa!
- Quem você pensa que é para falar do meu cabelo, idiota?!- Eu havia chegado no limite´- Eu dou hidratação três vezes por semana! O meu no me é Agnes! Ag-nes!
- Realmente, agora percebi que você não é mesmo a Safira! Ela é muito mais educada!- Ele deu um sorriso safado- E mais bonita também!
- Olha, engraçadinho, eu não vou mais perder o meu tempo discutindo com você!- Respirei fundo- Agora que você finalmente entendeu que eu não sou essa Safira, vamos por favor ter uma conversa civilizada?
Ele assentiu com a cabeça.
- Como você...- Antes que eu pudesse terminar a frase, escutei o barulho de uma grande explosão.
Eu e o garoto olhamos para onde havia surgido aquele som. Um monstro com a forma de uma cobra, uma cobra gigantesca, rastejou cuspindo fogo em minha direção, e, ao cuspir pela primeira vez, todo o meu campo de visão foi dominado por uma fumaça. Os meus olhos começaram a arder, e lágrimas começaram a brotar. Ainda assim resolvi mantê-los abertos quando escutei uma voz feminina.
- Um fragmento da pedra sagrada, eu sinto a sua presença, ele está aqui!- Uma mulher de cabelos curtos, com metade da face coberta por chamas, estava montada encima do réptil. Ela olhou para mim, e sorriu maliciosamente- Vamos Taipan, agora sei exatamente onde ele está!
- Eu não sei do que você está falando, moça, eu não tenho fragmento nenhum! – Eu estava desesperada.  Não sabia porque ela havia olhado para mim daquele jeito, eu nunca nem havia ouvido falar daquela pedra sagrada! Certamente eu iria morrer queimada por aquela cobra chamada Taipan.
- Não tente me enganar, eu sei que ele está com você!- A cobra começou a ir em minha direção, e eu sentia  a minha morte chegar cada vez mais perto. Estava fechando os olhos quando senti os dedos do rapaz da árvore em meu ombro.
- Retire a flecha.- Ele me olhou sério.
- Mas não vai doer? Você vai sentir muita dor se eu tirá-la assim , é melhor eu não...
- Vamos logo, Idiota, retire logo essa merda!- Ele gritou irritado e eu obedeci à sua ordem. Assim que retirei a flecha, senti uma forte energia saindo de dentro dele. Ele ganhou mais força, e suas garras ficaram extremamente afiadas. – Prepare-se para morrer, ser imprestável!
- Ora se não um mísero híbrido se achando o poderoso!- A garota riu.- Não tente brincar comigo, eu posso facilmente te matar!
- Isso é o que vamos ver...- Ele respondeu- Menina, saia daqui. Não me atrapalhe.
Ele ordenou que saísse, e eu obedeci, correndo para dentro da floresta. Subi encima de uma árvore alta e me escondi entre as folhas verdes. Eu comecei a chorar. Eu não achava que ele fosse sobreviver, e se ele morresse, eu iria morrer. Eu também não podia descartar a grande possibilidade de ele me largar sozinha naquela floresta escura. Tudo o que eu queria era voltar para casa.
****************************** A A grande e escamosa serpente começou a atacar. o corpo do garoto queimava a medida que cada raio de fogo atingia a sua pele. Mas ele não parecia cansado em nenhum momento, e nem sentir a dor que qualquer ser humano sentiria se estivesse em seu lugar.
Akira não iria desistir de lutar com Oliver para depois conseguir o fragmento de joia que estava dentro do corpo de Agnes. Ela queria ficar mais forte. Não estava satisfeita com o seu poder, queria ter mais força. Queria ser ainda mais forte que a serpente, a sua fiel companheira.
 Oliver sentiu cada osso de seu corpo ser esmagado, como se estes fossem feitos de vidro e alguém tivesse o atingido com o mais forte martelo. Taipan o enroscava com força e ele estava ficando com falta de ar. Mas nem pensar, ele não podia morrer ainda. Ele não ia morrer de jeito nenhum.
Oliver jamais aceitaria ter a mesma fraqueza de um ser humano insignificante . Além disso, ele tinha que descobrir onde exatamente estava o fragmento da pedra sagrada. “ Mas porque diabos essa dakarian fala de fragmento? Até onde eu sei a pedra sagrada estava completa!” pensou.
- Vamos parar com essa brincadeira!- Oliver afiou as suas garras e com um único corte, reduziu Taipan a pedaços. Um mar de sangue de cor preta se formou ao redor do corpo morto da serpente, a cor escura deveria ser a fonte de seu poder. Gotas negras sujaram o rosto do garoto, e ele limpou com a mão esquerda, em seguida lambendo os dedos sujos. Fazia muito tempo que Oliver não lutava, e sentir o gosto de uma batalha depois de quarenta anos lacrado em uma árvore era uma sensação muito prazerosa.
- Taipan!- A mulher estava desesperada, com lágrimas nos olhos. Ela foi até o corpo sem vida da serpente esquecendo que ainda havia um oponente que poderia matá-la bem na sua frente. Encostou a testa na cabeça da serpente, demonstrando a sua tristeza em perde-la. Ela olhou enfurecida para Oliver- Miserável, eu não vou te perdoar!
Agora ela não estava mais triste, mas sim furiosa. Uma forte energia maligna começou a emanar de seu corpo, e um brilho de cor azul saía de sua testa. Em poucos segundos a cor de céu daquela luz ficou negra como a noite. O poder do fragmento que estava em seu corpo estava se manifestando, e o mesmo cada vez se corrompia à medida que Akira ganhava mais força.  Os olhos da dakarian ficaram de um violeta intenso, os cabelos, maiores.
- Se você ir em bora daqui agora mesmo, eu posso poupar a sua vida.- Ele disse, parecendo abaixar a guarda. Oliver não estava temendo a transformação de Akira. Ela era uma dakarian muito fraca em sua forma original, e o poder de apenas um fragmento não iria fazer muita diferença para ele, que era de linhagem nobre. -Saia e não volte nunca mais.
- Eu vou vingar a morte de Taipan! Eu não vou sair daqui até ver o seu corpo nojento no chão, assim como você fez com ela!- Akira estava cega pelo ódio. Ela queria vingar a morte de Taipan custe o que custasse. Ela não estava mais preocupada com pegar o fragmento da garota ruiva, matar aquele híbrido maldito era muito mais importante.
A garota de olhos violeta avançou em direção ao híbrido, em alta potência e velocidade. Ela também detinha o poder do fogo como Taipan, mas não tinha força o suficiente para derrotar Oliver. Ela tentava atingi-lo com seus golpes, mas o híbrido era bem mais rápido e desviava com facilidade. Akira já estava ofegante. “ Porque não consigo matar aquele híbrido maldito?”
-Vamos, desista. Não vou te matar se você se render.- Oliver já estava cansado daquela luta, não valia a pena perder seu tempo com uma dakarian tão fraca como aquela. Mas aí ele começou a se perguntar porque o poder dela havia aumentado tanto de uma hora para outra-Você ficou mais forte, am? Por acaso você também tem um fragmento da pedra?
Mesmo ela não tendo confirmado com palavras que estava com um fragmento de joia, Oliver tinha certeza. Agora, poupar a vida daquela dakarian de fogo não era mais vantajoso para ele. Já que ela jamais iria aceitar dar o fragmento, ele teria que matá-la para pegá-lo.
E assim ele fez.
Quando estava no momento de suas últimas palavras, Akira tinha o seu pescoço segurado brutalmente pelas mãos rígidas do garoto. Ela estava sendo erguida por Oliver como se fosse um pedaço de bambu, preste a ser quebrado.
- Vamos, diga-me onde está o fragmento!- Oliver já estava impaciente. Chacoalhou a garota com força por ter a sua ordem não obedecida- Vamos, maldita, diga!
- Ele está...- Akira sabia que aquela seria a última que poderia respirar. Com os pulmões já chiando, continuou- No olho direito.
Oliver jogou o corpo sem vida da dakarian no chão como se fosse nada. Não estava se sentindo nem um pouco culpado pela morte dela, só queria sair dali e achar a garota de cabelos de fogo. Quando ia dar os primeiros passos para sair do local, lembrou que havia esquecido uma coisa importante. Arrancou o fragmento da testa de Akira e deixou que o seu sangue morto colorisse a grama verde da floresta.



#Agnes#
A noite já havia caído e ele estava demorando muito. Na verdade, eu já estava começando a pensar que demorar já não era a palavra certa. Quem morre não demora para chegar. Simplesmente já foi, e não voltará mais.
Eu estava com muita fome e frio. Os meus ossos estavam congelando, e eu estava com medo de sair do meu esconderijo naquela escuridão para procurar comida. Se eu encontrasse outro monstro como aquele não haveria ninguém para me proteger.
- Ei garota- Uma voz familiar chamou a minha tenção e imediatamente ao ouvi-la o meu coração se encheu de alívio. Olhei para baixo e, com a pouca luminosidade que havia, pude identificar que o garoto estava vivo.
- Graças a deus você está vivo!- Desci da árvore e o abracei, emocionada. Eu não iria suportar que ele tivesse morrido ao tentar me salvar.
- Eu não sou fraco como vocês humanos. Foi muito fácil acabar com aquele dakarian insignificante.- Ele respondeu me afastando do abraço. Percebi que ele estava um pouco corado, que fofo!
-Você ainda não me disse o seu nome!- disse a ele.
- Eu me chamo Oliver.- Ele respondeu e eu fiquei surpresa ao ver que ele tinha um nome que combinava tanto com ele. Eu não gostava do meu nome, achava que não tinha nada a ver comigo.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas ouvindo o som do vento quando balançava as folhas das árvores e o barulho dos animais da floresta. Eu fiquei perdida na cor daqueles belos olhos, que ficavam ainda mais lindos quando a luz da lua resolvia brincar com eles.
- Você deve estar cansada. Claro, vocês humanos são muito fracos, se cansam e se machucam com qualquer coisa insignificante. Vamos, tem um vilarejo aqui perto. Torça para que um dos aldeões deixe você se hospedar em sua casa. – Ele quebrou o silêncio, ordenando para que eu o seguisse.
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Depois de uma longa caminhada Agnes e Oliver chegaram no tal vilarejo. A menina já estava ofegante pois para ela não era nada perto, como o dakarian havia dito. Ela parou para respirar e ele a olhou incrédulo.
- Vamos logo! Foi só uma caminhada de nada!- Ele já estava impaciente. Como aquela menina era fresca! Não foram nem dez quilômetros andados!
- F-Fale por você!- Respondeu a ruiva, ainda cansando. Ela mudou de uma expressão irritada para apavorada.- Oliver, atrás de você!
Quando o garoto de olhos âmbar virou-se para ver o que era, haviam dezenas de aldeões armados com lanças preparados para ataca-lo.
- Você não é bem vindo aqui!- Uma mulher grisalha, aparentando ter setenta anos de idade exclamou com raiva saindo pelos olhos. – Vá embora e nunca mais volte, Oliver!
Agnes não estava entendo nada. Se ele disse que a levaria para aquele vilarejo, obviamente ele seria bem-vindo naquele lugar.
-Vocês devem ter ficado malucos, eu sempre vim aqui para visitar a Safira e sempre fui muito bem recebido! Além do mais, quem você pensa que é para dirigir a palavra desse jeito a mim, velha!?-Ele respondeu indignado. O que havia dado na cabeça daqueles aldeões? E quem era aquela velhota atrevida? Ele não lembrava de tê-la visto das outras vezes que fora àquele vilarejo.
- Ora, Ora, você não está me reconhecendo... Os anos que passaram me fizeram mudar tanto assim? –A velha riu, de modo irônico. Ela dividiu os cabelos grisalhos em duas partes e em cada um dos lados da cabeça fez um coque, o penteado que costumava usar durante a infância. Em seguida disse- “Tio Oliver, os peixinhos gostam de nadar nas águas mais fundas do rio!”
Oliver franziu a testa. Quando ele tinha ouvido aquela frase? Depois de muito esforço, conseguiu achar a resposta em suas memórias.
- Camélia? É você mesmo? Você é mesmo aquela menininha, a irmã mais nova da Safira?-Oliver finalmente tinha se lembrado. Mas como aquela pequena garotinha havia envelhecido tanto, em tão pouco tempo?
Camélia assentiu em sinal afirmativo.
- Então, se você está assim, a Safira deve estar uma velhota também. Humanos fracos, envelhecem em tão pouco tempo! Onde ela está?- Oliver riu, debochado. Agnes apenas observava tudo em silêncio.
- A minha irmã morreu há sessenta anos. – Camélia abaixou a cabeça, ficando em silêncio por um tempo. Oliver estava sem entender.- Fico surpresa em você me perguntar isso, já que você invadiu o vilarejo no dia que ela morreu. E destruiu tudo.
OIiver novamente estava confuso. Tentava buscar na parte mais profunda de sua mente uma lembrança de ter destruído aquele vilarejo, mas não conseguia encontrar nada. A única coisa da qual conseguia se lembrar era de Safira puxando o arco e lançando aquela flecha em seu coração.
Mas ele não iria discutir agora. Tinha que achar algum lugar para aquela garota de roupas estranhas ficar. Não sabia porque mas sentia um instinto enorme de protegê-la, mesmo ela sendo desconhecida. E o mais importante. Tinha que arranjar um jeito de retirar o fragmento da pedra sagrada do olho direito de Agnes.
Ele sabia que ele mesmo poderia retira-lo com suas próprias mãos, no entanto, implicaria machucar a garota de cabelos ruivos. Machuca-la era algo que ele nem mesmo sabia o motivo, mas era incapaz de fazer.
-Eu não me lembro de ter feito nada disso. E caso eu tenha mesmo feito aquilo, eu estava fora de consciência. – Ele se justificou. Camélia e os outros o olharam sérios.- Eu queria pedir para que deixem essa garota viver aqui. Ela veio de muito longe, e não vai conseguir sobreviver na floresta por muito tempo.
Camélia somente agora havia reparado a presença da garota. Quando olhou para o rosto de Agnes e a combinação que os olhos verdes faziam com o nariz fino e a boca carnuda, arregalou os olhos " Essa garota é idêntica a minha irmã Safira.” Ela sentiu uma forte energia emanar do corpo da ruiva “ Eu sinto a presença de um fragmento da pedra sagrada em seu olho direito”
- Ela pode ficar aqui, mas vai ter que ajudar nos afazeres da aldeia.- Camélia falou e todos concordaram. “ Essa garota carrega os mesmos poderes espirituais da minha irmã, isso não pode ser possível!”
- Eu posso ajudar nas tarefas da casa em que ficarei!- Agnes resolveu se pronunciar. Tinha que manter uma boa impressão para que a deixassem ficar ali. Não que ela realmente quisesse passar o resto da vida naquele lugar, mas porque não sabia quando poderia voltar para casa. Se poderia voltar para casa.
- Então está decidido. Você vai ficar na minha casa, ouviu bem, mocinha?- Camélia abandonou aquela expressão séria para um sorriso acolhedor.
Já tendo o principal problema resolvido, Oliver foi descansar encima de uma árvore alta. O garoto estava pensativo, e também muito abalado. Não fazia ideia da morte de Safira. Antes de saber da morte da garota, estava alimentando uma raiva dentro de si, por ela tê-lo lacrado sem nenhuma razão. Eles tinham tantos sonhos juntos... Porque eles foram destruídos tão rapidamente?
Flashback
-Não vejo a hora de poder usar a pedra e me tornar uma humana como qualquer outra.- Safira encostou a cabeça no peitoral do amado. Os dois estavam sentados naquela mesma árvore, Safira entre as pernas de Oliver. O garoto de olhos âmbar afagou a cabeça da jovem sacerdotisa.
- Você não gosta dos seus poderes? Porque quer se tornar um humano comum?- Oliver não entendia porque a amada queria se tornar uma pessoa como todas as outras. Será que ela não conseguia entender que ela era superior aos outros seres humanos?
- A minha vida foi feita para ajudar as pessoas e resolver os seus problemas. Curar doenças, afastar maus espíritos, purificar almas, curar feridas de fugitivos de guerras...Eu nunca tive tempo para mim mesma. Eu nunca pude fazer o que eu gostava o que me fazia bem. Sempre tive que colocar os outros em primeiro lugar, porque essa é a missão de uma sacerdotisa. É para isso que eu vim para este mundo.
- Hummm...- Oliver murmurou. Safira sorriu e se virou ficando de frente para ele.- O que foi?
-Tem outro motivo pelo qual eu quero me livrar dos meus poderes...- Safira selou seus lábios nos do garoto- Se eu continuar tendo que ajudar as pessoas sem parar, que tempo eu vou ter para cuidar do meu marido e dos meus filhos na minha vida de casada?
-Filhos...-Oliver não gostava de ouvir aquela palavra. Não que ele não quisesse ter filhos, claro que queria. O problema é que esses filhos seriam como ele. Híbridos rejeitados tanto pelos dakarians quanto pelos humanos. Criaturas que sofreriam preconceito e discriminação pelo resto da vida.
- Eu sei o que você deve estar pensando. Por isso, eu tenho uma pergunta a lhe fazer...-Safira começou.
- Pode perguntar- Disse Oliver.
- A pedra sagrada também poderia te transformar em um humano. Você se tornaria um humano por mim?
Aquela pergunta era difícil de responder. O que Oliver realmente queria não era virar um humano. Ele queria virar um dakarian completo, como seu pai e seu irmão. Desse modo, ele nunca mais seria inferiorizado por ninguém em sua vida.
- Sim...- Foi o que disse.
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- Nossa, como a Safira está demorando... Nós marcamos de nos encontrar aqui!- Oliver estava impaciente, encostado à uma bela árvore de pinheiros. Era naquele dia em que Oliver tomaria uma decisão que mudaria a sua vida para sempre. Ele se tornaria humano usando a pedra sagrada.
Ele sabia que seria irreversível, mas ele iria fazer aquilo pela felicidade com a mulher que amava. A única que o amou. Sabia que ela não suportaria ver os filhos sendo discriminados e maltratados tal como ele fora durante toda a sua infância. Sabia que se continuasse do jeito que era, Safira seria infeliz. Oliver não aguentaria ver a sua amada sofrer.
- Oliver!!- Ele escutou a voz da sacerdotisa.
Safira estava com uma expressão ao mesmo tempo de raiva e dor.Já puxando o arco. As manchas cor de carmim por todo o seu corpo revelavam o contraste que o sangue fazia com seu vestido branco. Os seus cabelos negros já não estavam presos a um rabo de cavalo como de costume. Agora estavam soltos, e balançavam com ajuda do vento.
- Mas o que acont- Oliver estava assustado. Quem poderia ter ferido a sua amada tão gravemente? Com certeza esse alguém não sairia ileso quando ele o encontrasse.
-Miserável!! Eu nunca vou te perdoar por isso- lágrimas brotavam dos olhos da garota e caiam como uma cascata. Ela agonizou. A parte de cima do seu vestido que antes era branca estava vermelha por completo. O sangue não parava de jorrar. E a dor ela não parava de sentir.
- Mas o que foi que eu- Oliver não estava entendendo nada. Ele não seria capaz de fazer aquilo com a mulher de sua vida. Nunca.
- Cala a boca! – Safira então disparou a flecha que atingiu o peito do garoto, fazendo com que ele ficasse unido à árvore. A dor que Oliver sentira fora tão intensa que ele não era capaz de gritar. Em poucos segundos, o rapaz de olhos âmbar caiu num sono profundo.
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-O jantar já está pronto!- A garota ruiva tirou Oliver de seus pensamentos. Ele olhou para baixo da árvore e viu que ela não estava mais usando aquelas roupas estranhas. O vestido longo azul e preto com mangas compridas e largas e um detalhe de enlaçados azuis sobre o negro do decote haviam deixado Agnes belíssima.
-Achei que não fosse bem-vindo por aqui. Porque me ofereceriam comida?- Oliver perguntou, ainda encima da árvore.
- A Camélia mesma pediu para que te chamasse. Acho que ela não está mais brava com você...-Agnes respondeu.
- Diga que não estou com fome.- Respondeu Oliver friamente. Ele estava abalado demais para comer. Toda a tristeza que sentia por ter perdido Safira acabava com o seu apetite.
Agnes estava se sentindo mal em vê-lo assim. Ela também estava curiosa para saber qual era a sua relação com a tal Safira. E também por que ele tivera aquela reação pela ruiva se parecer tanto com ela.
- A Safira era muito importante para você...- Começou Agnes. Oliver olhou para ela surpreso- Não é?
Oliver ficou em silêncio. Sério, ele virou para o lado oposto.
- Eu também sei como é perder alguém que amamos...-Agnes tentou conforta-lo.- Eu perdi o meu melhor amigo no ano passado. Ele tinha câncer. Não sei se essa doença existe nessa era, mas é um mal terrível.
-Hummm- Murmurou Oliver. Ele sentiu seu corpo arrepiar quando sentiu as mãos delicadas da garota o abraçarem por trás. “Quando essa garota subiu aqui?”- O que você está fazendo?
-Vamos comer. Tenho certeza de que se a Safira estiver te vendo de lá de cima, ela quer que você seja forte!-A ruiva sorriu.
Vendo que ela não iria desistir, Oliver desceu da árvore.
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Apesar da comida ser simples, o cheiro estava delicioso. Com a ajuda de Agnes, Camélia havia feito uma deliciosa sopa de frango com legumes, usando as melhores ervas e temperos cultivados pelos agricultores do vilarejo. Em uma pequena mesa redonda de madeira com quatro cadeiras, estavam sentadas as duas moças. Oliver estava em pé com os braços cruzados.
-Vamos garoto, sente para comer! Você nunca vai conseguir segurar uma tigela quente de sopa em pé!- Camélia já havia perdido a paciência.
- Ora ora, até ontem eu não era bem-vindo, e agora a velhota me oferece uma sopinha...- Disse Oliver, irônico. Camélia revirou os olhos.
-Eu não vou perder meu tempo discutindo com você, Oliver. Se não quiser comer, não coma. Eu tenho coisas muito importantes para conversar com você.- A grisalha ficou séria.
- Não quero saber de baboseiras vindas de uma velha gagá.- Respondeu Oliver, grosseiro. Agnes estava ficando incomodada com a falta de respeito dele para com Camélia.
- É sobre a pedra sagrada. E também sobre a minha irmã.- Camélia começou e Oliver ficou atento.
- Vamos logo, velha, diga!
-No dia que a minha irmã morreu, antes dela partir, ela pediu para que a pedra fosse enterrada junto com ela. E assim nós fizemos.
Agnes ouvia tudo, atenta.
-Ela acreditava que a pedra, assim como ela, fosse desaparecer. E assim, o mundo viveria em paz pois não haveriam mais guerras pela posse da pedra. Além disso, a Safira, como guardiã da pedra sagrada, era a única capaz de purifica-la. Se alguém corrompesse a pedra o mundo viveria nas sombras, pois sem Safira a energia maligna nunca poderia ser derrotada.
-Mas, exatamente um mês depois de Safira ter sido enterrada, uma luz muito forte começou a sair de dentro do túmulo. Assustados, nós, moradores dessa aldeia, fomos ver do que se tratava. A pedra sagrada estava flutuando, e palpitava como se fosse quebrar. Em segundos ela se reduziu em pedaços, que se espalharam por todo o mundo. Eu era muito pequena na época, mas agora entendo que, além de se espalhar por esse mundo, os fragmentos também foram parar em outra dimensão.
Ao ouvir que os fragmentos da pedra sagrada viajaram para outra dimensão, Agnes lembrou que Akira estava à procura de um fragmento que supostamente estava dentro dela. Então a dakarian de fogo estava falando a verdade, Agnes estava mesmo com um fragmento.
- E esse fragmento está dentro de mim...-Agnes se pronunciou. Camélia e Oliver a encararam.- Não é?
- Sim. Eu posso sentir a energia dele quando olho para os seus olhos. Ele está no olho direito.- Camélia tocou o rosto da jovem carinhosamente.- Você tem a mesma energia espiritual que a minha irmã Safira. A sua energia é tão pura que a pedra não se corrompeu mesmo estando dentro de seu corpo. Em que dia você nasceu?
- Dezoito de agosto.- Respondeu a ruiva.
Camélia arregalou os olhos. Oliver apenas observava, calado.
-A minha amada irmã morreu exatamente nesse dia. Você é igualzinha a ela. Se não fosse pela cor do seu cabelo, diriam que eram a mesma pessoa.
Agnes ficou levemente incomodada. Já estava cansada de ser comparada a Safira, como se fosse uma simples cópia barata da mesma.
- Eu posso parecer com ela, mas somos pessoas diferentes. Do jeito que vocês falam parece que eu sou a reencarnação da Safira. – Disse Agnes, emburrada.
- Você é exatamente isso. Você nasceu no mesmo dia em que ela faleceu, possui os mesmos poderes e a mesma aparência. Você possui a mesma alma de minha irmã. Não há dúvida.- Camélia estava feliz. Era como se pudesse ter a sua irmã consigo de novo. Oliver estava abismado.
Agnes viu então que Camélia estava certa. Não havia outra explicação. No entanto, aquilo a incomodava. E muito. Era como se as pessoas não a vissem como Agnes, mas como a Safira de volta ao mundo dos vivos.
- Mudando de assunto, como vamos fazer para tirar o fragmento de dentro de mim? Acho perigoso eu andar por aí com um fragmento no meu corpo, vai que outro monstro resolve me matar para pegá-lo!-Agnes estava preocupada. Tinha que haver um jeito de retira-lo sem que a ferissem.
-Eu posso resolver isso. Oliver, saia da casa por alguns instantes. A sua energia maligna pode acabar corrompendo a pedra e não queremos que isso aconteça. – Disse Camélia.
Oliver obedeceu saindo pela porta.
-Abra bem os olhos.
Em questão de minutos camélia já tinha o fragmento brilhando em suas mãos. Agnes coçou os olhos, pois sentira uma leve coceira por conta do poder espiritual lançado em sua pupila. Ele era minúsculo, feito um grão de arroz. Mas o seu poder era de uma imensidão a qual Agnes nem podia imaginar.
- Vou colocá-lo aqui dentro.- Agnes lembrou do pingente do colar que seu pai havia lhe dado.
Horas depois todas as lamparinas de apagaram e as casas adormeceram, sob o olhar guardador das estrelas.
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Agnes:
Estava frio naquela noite e mesmo a Camélia tendo me dado um cobertor de lã bem grosso para me agasalhar eu ainda sentia os meus ossos tremerem. Eu estava começando a me acostumar com aquele lugar, já que havia uma possibilidade de eu viver ali pelo resto da vida. Pelo menos os aldeões gostaram de mim e a Camélia, por eu ser “ igualzinha” a sua querida irmã, gostou mais ainda.
Depois de muito tempo tentando achar uma posição confortável para dormir naquela cama dura demais, eu consegui fechar os olhos e adormecer. Contudo, o meu sono não durou muito. Acordei assustada com um grito de dor misturado com um barulho de coisas caindo.
- Colar maldito! A minha mão está ardendo!-Assim que acendi uma vela a fim de iluminar o ambiente vi Oliver Assoprando a mão e olhando para o colar que papai havia me dado.
- Posso saber porque o senhor estava mexendo no meu colar?!-Perguntei irritada. Aquele colar era muito importante para mim, era a única lembrança que eu tinha da minha família.
- Ele estava tentando roubar o fragmento que está dentro do pingente.- De repente pude ver Camélia aparecer segurando uma vela. Oliver a olhava com raiva e ela como se já imaginasse que ele fosse fazer aquilo.-Eu já imaginava que você fosse fazer isso, por isso tomei as minhas providências.
-Que raios você fez então, velha maldita?!-Oliver bradou, irritado. Camélia começou a rir- Ora velhota, pare de rir e fale de uma vez!
- Apenas olhe para o dedo anelar de cada uma de suas mãos.- Respondeu camélia.
Quando olhei para as mãos de Oliver, vi que, em cada dedo anelar, havia um anel preto. Mas como dois simples anéis impediriam que ele roubasse o fragmento? Ele não poderia simplesmente tirá-los?
-Não adianta, você nunca vai conseguir tirar. O encantamento dos anéis impede que qualquer força ou pessoa consiga removê-lo.- Explicou Camélia enquanto Oliver tentava puxar os anéis de todas as formas. Quando os seus dedos ficaram roxos e feridos, ele desistiu.
- Maldição! Porque você fez isso, Camélia? Nenhuma de vocês precisa dos fragmentos, eu preciso! Eu quero completar a pedra para...
-Para se tornar um dakarian completo, sim, eu sei disso. Eu quero que você entenda que, sem Agnes, será impossível reunir os fragmentos. Como reencarnação da minha irmã,Safira, ela é a única que pode sentir a presença dos fragmentos à distância e purifica-los. O destino escolheu que vocês embarcassem juntos na missão de completar a pedra sagrada.
-Mas eu não posso ficar aqui para sempre! Eu tenho uma família e uma faculdade lá na minha era!-  Eu entrei em desespero.
- Não se preocupe, você conseguirá ir e voltar quando quiser, desde que esteja com fragmentos da pedra.- Respondeu Camélia. Agnes ficou aliviada.
E ela não via a hora de voltar, assim que o sol nascesse.

sábado, 16 de junho de 2018

O lorde do Oeste, capítulo 1


 Quando a primeira gota de chuva caiu, todos pararam para observar porque o céu resolvera chorar logo naquele dia. A mãe correu para colocar aquela bela decoração de festa para dentro de casa, e suspirou pela surpresa não poder ser feita ao ar livre. O aniversário de dezoito anos de Agnes seria tal como todos os outros: entre paredes. Mas também, quem se importava com isso? A garota nunca fez questão de festas. Estudar era mais importante, e isso, por incrível que pareça, era bom.
- Não acredito que o irresponsável do Leonardo não veio para o Aniversário da própria filha!- Resmungou Liza, enquanto colocava uma garrafa de vinho tinto para gelar. Seus olhos verdes estavam irritados e inquietos. Até que suas pupilas dilataram e enfureceram-se ao ver o filho mais velho ainda de roupas de baixo.- O que pensa que está fazendo? Não acredito que ainda não se arrumou, Ícaro! Pelo amor de deus! Hoje é o dia mais especial da vida da sua irmã e você nem faz questão de acordar cedo para ajudar com a arrumação! E além do mais, as amigas dela podem chegar a qualquer hora! Você não imagina a vergonha que seria elas te verem assim, seminu?!
- Ah, mãe, você sabe que eu cheguei tarde em casa ontem da faculdade! Também, eu não tenho culpa se estou fazendo engenharia na capital, que por um acaso fica a oito horas de distância daqui! Se não fosse o aniversário da minha irmãzinha eu nem teria vindo!- O primogênito justificou a sua indecência. Afinal, porque a sua mãe tinha que estar tão irritada e afobada por conta de uma simples festa de aniversário?  Até parecia que aquele seria o último, ou que um furacão raivosamente destruísse tudo!
A testa da mãe franziu, mas ela não disse mais nada. O seu rosto tinha que esboçar felicidade quando a sua filha voltasse para casa. Ao ver que o rapaz já estava quase pronto, a sua raiva abrandou. As bebidas já estavam geladas, a sala arrumada do jeito que gostava. O bolo já estava para chegar, e, quando a campainha tocasse, era só colocá-lo encima da mesa. Tudo correria perfeitamente. Agora era só esperar.
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- Eu não sei como você conseguiu passar em medicina no primeiro vestibular, Agnes! Realmente, a única coisa que você faz da vida é enfiar a cara nos livros, só pode!- A menina que acompanhava a garota de cabelos cor de fogo estava indignada. A sua amiga com apenas dezoito anos havia sido aprovada no curso mais concorrido do país e ainda na universidade mais conceituada que ficava nada mais que na capital. Ir estudar na capital era algo que os estudantes almejavam. Isso é compreensível. Claro que ninguém queria estudar nas universidades fracas daquela cidade do interior.
- Quando você fala “ enfiar a cabeça nos livros” fica parecendo que eu sou forçada a fazer isso. Você sabe que eu adoro ler, Ana!- A ruiva respondeu e sua companheira a olhou como se a outra estivesse falando outra língua, totalmente difícil de compreender. Como alguém gostava de ler? livros eram tão entediantes... O que ela gostava era curtir, sair de casa, aproveitar a vida, festejar!-  Acho que o fato de eu não gostar muito de sair de casa me ajudou um pouco, assim eu tinha mais tempo para estudar!
- Isso é porque você ainda não se apaixonou!- A morena a olhou em tom de deboche- Quando você arranjar alguém, vai largar esse mundo fantasioso dos livros rapidinho e acordar para a vida real, que é bem mais interessante!
Agnes deu de ombros e olhou para o céu. Não valeria apena discutir com a sua amiga, pelo fato das duas pensarem tão diferente. Perdida em seus pensamentos, Agnes pensou em como seria a sua vida em outra cidade, longe de seus pais. Será que conseguiria morar com seu irmão? Os dois brigavam tanto! E como seriam os dias em sentiria falta da comida preparada pela sua mãe, do ranger característico da porta de madeira envelhecida de seu quarto com o qual conviveu por toda a sua infância? Mas depois acabou enxergando o lado bom de tudo aquilo. Pelo menos ainda estaria na mesma dimensão, no ano de 2018. Haviam redes sociais e telefones com que poderia se comunicar com seus familiares e amigos sempre que a saudade sussurrasse em seu ouvido.
Ao ouvir um romper de galhos, algo chamou sua atenção. Olhou para trás e um gato preto a olhava como e já a conhecesse e os dois já tivessem trocado palavras. Tanto o seu olho azul quanto o verde a encaravam do mesmo jeito. Ela ficou abismada, nunca tinha visto um animal com heterocromia tão perto a não ser nos livros de biologia. Se ela estivesse com seu celular tiraria uma foto naquele mesmo momento.
- Agnes, é melhor a gente correr, não quero estragar a minha escova!- A impaciente garota que a acompanhava a alertou quando as gotas de chuva começaram a cair de forma mais intensa. Agnes sentiu-se um pouco triste ao ter que deixar o majestoso felino para trás. A sua mãe jamais permitiria animais na casa, até mesmo um bonito como aquele. Por isso, nada restava a Agnes a não ser deixar que o vento, as árvores e a água que molhasse os pelos negros do animal lhe fizessem companhia.
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O céu estava escurecido por contadas nuvens carregadas de chuva, e Agnes estranhou que todas as luzes de sua casa estivessem apagadas. Virou-se para comentar o estranhamento a Ana, mas havia perdido a garota de vista. Que estranho! Será que ela havia parado para observar alguma coisa? Um gato preto, talvez?
Esperou alguns minutos para ver se a sua amiga voltava, mas nada dela chegar. Resolveu entrar, estava frio, e ela deveria ter ido para casa. Tirou os tênis all star e colocou a sandália havaiana que só usava dentro de casa. Não estava conseguindo enxergar, estava muito escuro. Assim que ligou a luz escutou a palavra que ouvia todos anos em que fazia aniversário.
-PARABÉNS!!!!!!- Ao pronunciar a palavra Ícaro estourou uma chuva de confetes da mesma cor que os cabelos de sua irmã. Nunca havia passado na cabeça de Agnes que a sua família lhe faria uma surpresa, e nem que a sua mãe iria permitir que todos os seus amigos enchessem a casa e fizessem bagunça. Agnes sorriu agradecendo, enquanto Liza lhe entregava uma caixa de presente.
- Abra! Eu sabia que você estava louca para ganhar um de presente- Agnes desatou o nó com carinho, para que não pudesse estragar um embrulho tão bonito como aquele. Ao ver do que se tratava o presente, ela vibrou. Nunca havia tido coragem de pedir a sua mãe para que comprasse um estetoscópio caro como aquele, que, apesar do preço, seria ideal para que ela pudesse exercer com maestria a profissão dos seus sonhos.
- Muito obrigada mãe! Não precisava gastar tanto comigo, poderia ter comprado um mais barato, eu não iria me importar com isso! - Sua mãe balançou a cabeça em negação. Ela sabia que gastar mesmo que uma fortuna com a filha não daria prejuízos.
- Agora deixe-me dar o meu presente- Ícaro abraçou a irmã e entregou uma caixa com um vestido dentro. Seus detalhes azuis e preto encantaram Agnes, combinaria perfeitamente com os seus cabelos acobreados. Pelo menos daquela vez, seu irmão havia acertado alguma coisa sobre ela. Ela sentia que ele não a compreendia- Espero que tenha gostado! Na verdade, quem escolheu foi a Samanta, a minha namorada! Ela queria muito poder vir, mas teve exame da universidade hoje!
- Diga a Samanta que eu adorei o presente! Muito obrigada mesmo! – Agradeceu Agnes, enquanto recebia mais presentes. Ao ver o que Ana havia lhe dado, ela teve que se segurar para não rir. Nunca pensou que alguém na vida fosse lhe dar um conjunto de lingerie, um lubrificante de morango e um vibrador de aniversário. Ana era realmente maluca.
“ Para quando a minha melhor amiga largar os livros e se apaixonar por um deus do olimpo. PS: AGORA É +18 PORRAA!!!!”
Assim que a ruiva terminou de ler o bilhete que havia dentro do presente, Ana lançou uma piscadela e um olhar provocativo. Uma pena a sua amiga criar tantas esperanças com algo que, por Agnes, não iria acontecer tão cedo. A faculdade de medicina não era brincadeira, e estudar para garantir boas notas era muito mais importante do que procurar se relacionar com rapazes. Além do mais, nenhum garoto havia sido interessante o suficiente para tirar o seu foco naquele momento.

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Agnes queria poder fazer uma festa do pijama de despedida com suas amigas, mas o pedido fora negado pela sua mãe. Ela sabia que a filha não conseguiria pregar os olhos com a companhia de  tantas adolescentes no mesmo quarto, e a principal razão para que Agnes tivesse que ter uma boa noite de sono era que ela viajaria para a capital ao nascer do dia com seu irmão.
A menina resolveu não insistir, pois a sua mãe já estava irritada demais por conta da ausência do marido na festa de aniversário. A aniversariante, pelo contrário, estava tranquila terminando de arrumar as malas. Ela não esperava que o pai fosse estar presente, pois ele morava no norte do país e era muito atarefado com os afazeres da empresa em que trabalhava. Liza, por sua vez, tinha a língua pegando fogo quando falava o nome de Leonardo. Fruto de um divórcio após um casamento complicado, a relação entre os dois não era boa.
- Já terminou de arrumar as suas coisas? Tem certeza de que não está esquecendo nada?- Agnes foi tirada de seus pensamentos quando Liza abriu a porta. Já estava tudo quase pronto, a única coisa que precisava ser feita era fechar. E foi exatamente isso que a menina respondeu- Eu sei que você deve estar chateada pelo seu pai não ter vindo, eu sei, ele que ele é um péssimo pai e....
- Quem é um péssimo pai?!- Um homem grisalho que estava ouvindo tudo atrás da porta revelou a sua presença. Agnes levantou e correu para abraçar o pai, que não via há meses. – Não acredito que você está ainda maior do que da última vez que nos vimos! Para de crescer menina!
- Boa noite, Leonardo- Liza cumprimentou o ex-marido, levemente envergonhada. Havia sido pega no flagra ao falar sem papas na língua. Leonardo não ficou surpreso, já estava acostumado e já sabia que Liza tinha aquele temperamento desde o dia em que se conheceram.
- Boa noite para você também, Liza. Ficou surpresa por eu ter chegado, não é? Não consegui vir no horário, mas eu não seria ruim a ponto de não ver a minha própria filha no dia do aniversário dela.
- Bom, eu vou ver se o jantar está pronto- Liza saiu do quarto, deixando pai e filha a sós. Agnes havia esquecido daquele detalhe, mas ao se mudar para a capital ficaria mais perto da cidade em que Leonardo vivia. 
- Não dê importância ao que a mamãe disse, pai! Eu sei que você é um ótimo pai, você está aqui! E mesmo que não viesse, claro que teria um motivo! – Agnes sorriu- Você vai dormir aqui não é?
- Na verdade, infelizmente não...- O grisalho sentou em cima da cama- Eu vim de passagem, preciso ir até cidade vizinha para cuidar dos negócios da empresa.
Ao ver o semblante decepcionado da filha, Leonardo resolveu mostrar o que havia trazido para ela.
- Eu trouxe um presente, acho que você vai gostar! – Ele pegou a caixinha e de lá retirou um colar, com uma espécie de pingente aberto, onde poderia encaixar alguma pedra preciosa e trocar quando quisesse. Agnes adorou. Não sabia ao certo qual pedra colocaria, mas com certeza logo o dourado do acessório contrastaria com a cor vibrante de uma esmeralda, ou uma ametista.
Os dois abraçaram-se novamente após o jantar, e Leonardo seguiu viajem. Quando as luzes da casa se apagaram, Agnes foi para o seu quarto. Tomou um banho quente, penteou as madeixas, vestiu um pijama. Colocou o colar para sentir a presença de seu pai. E por fim, cama.
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Um miado tirou Agnes de seu sono profundo. Ainda com os olhos semiabertos, ela avistou o majestoso gato preto a olhar com aqueles olhos verde e azul. Ele batia na janela, parecia querer entrar e dormir entre os quentes lençóis. Agnes resmungou, mas depois sentiu pena do coitadinho. Devia estar frio lá fora, já que o céu ainda estava triste e insistia em chorar. Calçou as pantufas e abriu para que o felino pudesse passar.
O bichano não entrou. Ele miou novamente e a olhou como se dissesse “ Venha comigo”. Ela estranhou, e depois ficou irritada. Porque aquele gato idiota não ia incomodar o sono de outro?  Alguém que não fosse acordar as quatro horas da manhã? Agnes já sem paciência tentou fechar a janela, mas ela travou. Ótimo. Além de ser acordada em plena madrugada, o seu quarto todo molharia por conta da água que entrava pela janela!
- Porque você ainda está aí?-Ela perguntou ao gato. Como se ele fosse capaz de responder. Ele entortou a cabeça e olhou para o colar. Miou.- Bonito não é? O meu pai que me deu de presente de aniversário!
A ruiva tirou o colar para mostrar ao felino, como se estivesse falando com um ser humano. Achou fofo quando ele começou a brincar com a joia e se enroscar por entre os fios sem conseguir sair. Pensou que poderia perguntar ao Ícaro se ele não se importaria de que adotassem o gatinho. Tinha quase certeza de que seu irmão não iria se importar, desde que ela cuidasse dos cuidados e necessidades do animal sem dar nenhuma responsabilidade a mais a ele.
- Você pode me devolver agora?- Percebendo que estava perdendo as poucas horas de sono que lhe restavam antes de viajar, resolveu acabar com a brincadeira do bichano. Ela tentou tirar a joia dourada das patas do bicho, mas ele não estava a fim de devolver. Como resposta, arranhou e mordeu as mãos da moça. Depois chiou com os pelos da cor da noite já eriçados.- Eu não estou a fim de brincadeira, me devolva agora e saia daqui!
Num piscar de olhos o felino já havia saído da janela, com o colar entre os dentes. Agnes bufou de aborrecimento. Mas depois entrou em aflição. Aquele era o presente do seu pai, do seu pai que não via quase nunca, e, quando se encontravam passavam muito pouco tempo juntos. Aquilo era algo que trazia o seu amado pai mais para perto de si, por isso ela não suportaria perder.
Pulou a janela e mesmo descalça e com roupas de dormir foi para fora para recuperar o presente tão valioso. Não se preocupou em que alguém pudesse vê-la daquele jeito, pela rua estar deserta e escura. Conseguia ver por onde andava o gato por conta da luz fraca dos postes. Ele corria numa velocidade tão alta que seria quase impossível de Agnes conseguir alcança-lo.
Ela parou para respirar, já cansada da corrida. Engoliu saliva para molhar a garganta seca e, quando foi retomar a velocidade, tudo o que conseguia ver era um imenso breu. Havia faltado energia por conta de um raio que atingira a fiação.
Agnes havia perdido a sua noção de espaço. Não sabia como encontrar o gato e nem como voltar para casa. Deu dois passos para frente e depois gritou horrorizada. Apesar da escuridão, sabia que havia caído num buraco.
Um buraco fundo, e a queda era tão longa que parecia furar o planeta terra.
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Acordou sentindo uma dor de cabeça perfuradora. Quando abriu os olhos viu que estava dentro de um poço fundo, onde uma luz passava por uma abertura a metros de altura e podia-se avistar os galhos de uma árvore. Tentou escalar, sem sucesso. Massageou a coluna por conta da pancada forte contra o chão. Ela tinha que raciocinar. Estava fora de cogitação ficar presa num lugar escuro e fétido como aquele. Era tortura para qualquer ser humano ter que viver num lugar que cheirava a cadáveres.
Olhou ao redor do poço para ver se havia algo que pudesse ajuda-la. Franziu o cenho ao avistar uma ossada humana, mas sorriu ao ver que ao lado da mesma havia uma corda de cipós. Com o laço já feito, mirou no galho mais baixo daquela árvore. Ter acertado só podia ser obra do destino, pois Agnes não era boa de mira.
Quando já estava em cima, ela arregalou os olhos. Tudo o que conseguia ver era uma floresta de pinheiros, nenhum sinal das casas que haviam em sua vizinhança. Andou pelo local com a falsa esperança de poder encontrar a sua casa, mas parecia que ela havia parado em outro mundo.
- Tem alguém aí? Eu não sei que lugar é esse, será que alguém pode me ajudar a achar o caminho de casa?!- Nenhum sinal de resposta. Ela começou a ficar desesperada, será que nunca iria sair daquele lugar?
Convencida de que havia parado num lugar totalmente desconhecido, começou a andar pela floresta com a esperança de encontrar algum vilarejo onde pudesse se informar. Era desconfortável andar por um solo arenoso e cheio de arbustos espinhosos como aquele sem sapatos e apenas usando um baby doll. “ Quando eu encontrar aquele gato imprestável eu vou fazer picadinho dele” pensou. “ Por sua culpa eu vim parar nesse fim de mundo”.
Parou de reclamar quando um brilho dourado próximo a uma árvore distante chamou a sua atenção. Aquele brilho era familiar, ela já havia visto algo assim antes. “ Meu colar!”
Quando já tinha o objeto dourado em mãos imediatamente o deixou cair. Nunca havia visto um ser tão bonito em toda a sua vida. “Será que ele é humano?”. Os garotos da sua cidade não tinham aquele rosto angelical que encaixava perfeitamente com os músculos definidos, como se fossem peças de um quebra cabeça. Ela precisava chegar mais perto daquele rapaz misterioso, que estava tão lindo adormecido. Apesar da flecha cravada em seu peito que o prendia à arvore, ele não parecia sentir nenhuma dor.
Com cuidado, tocou levemente o seu rosto. Ficou alisando aquela pele tão macia, mas que ao mesmo tempo tinha a rigidez de um homem.
Parou assustada quando sentiu as mãos fortes do rapaz envolverem a sua cintura ao mesmo tempo em que ele revelava a cor incomum dos seus olhos. Eram de um âmbar que a hipnotizavam e faziam o seu coração disparar.
Ele a olhou duvidoso, como se já a tivesse conhecido de algum lugar. Quando uma rajada de vento balançou os seus fios negros, ele teve certeza de quem era. De repente a sua expressão de anjo deu lugar a um sorriso irônico e um olhar raivoso e fuzilante.
- A quanto tempo não nos vemos....- Agnes ficou estática- SAFIRA.

sábado, 28 de abril de 2018

E se eu te alcançar capítulo 10


"Imitações nunca serão melhores que os verdadeiros, inclusive o amor" Mirai nikki

Souta-
Não pude deixar de me sentir desconfortável com o “ almoço tradicional japonês” que a mãe da Débora havia preparado. Eu não esperava ser recebido daquela maneira, já que eu não era nenhuma celebridade e já conhecia a Débora há algum tempo. Aquela recepção, no mais, soou como um pedido de desculpas.
Eu fora o primeiro a terminar o almoço. Aquela comida parecia ter sido feita há semanas, o sabor do peixe não estava nada bom. Na verdade, péssimo. Tive que controlar a vontade de vomitar para não ser deselegante.
Fui até o banheiro social a fim de tomar um banho gelado. O calor estava me matando, o dia estava quente, e me fazendo sentir falta do Japão. O clima em meu país era muito mais agradável do que aquela simulação de deserto do saara, que, tão realista que estava, nem parecia simulação.
Despi-me e liguei o chuveiro. Ah, como aquela água estava maravilhosa. Sentia meu corpo queimar antes de deixa-la atingir o meu corpo. Então, fechei os olhos.
Ouvi uma porta sendo aberta e quando olhei para a origem do som, era o Bernardo entrando no banheiro com uma toalha e roupas em mãos. Ou o cara era surdo por não ouvir o barulho da água caindo, ou estava de sacanagem com a minha cara.
Ele ficou parado, como se não visse problema algum em ficarmos no mesmo banheiro. Eu não estava incomodado porque aquilo seria “viadagem” ou não, até porque não sou contra homossexuais. Afinal, Cada um que viva como bem entender e faça o que quiser, desde que não prejudique a vida dos outros.
 Na verdade, eu simplesmente não fui com a cara daquele moleque desde o dia em que vi o seu rosto pela primeira vez.
- Você não vai sair? – Quando ele finalmente saiu pude terminar o meu banho em paz e vestir uma roupa fresca.
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Eu sabia que iríamos demorar um tempo para começar a trabalhar, pois, além de a Débora, provavelmente, ter ido tomar banho e como geralmente mulheres demoram bastante para ficar prontas- eu sei, isso foi um estereótipo bem ridículo- resolvi ver se estava passando algo que prestasse na televisão.
 Por um motivo desconhecido, estava certo de que algo ruim iria acontecer naquele dia.
E que eu ia ter que guardar o segredo.
Estava prestes a apertar o botão do controle remoto quando um barulho estranho chamou a minha atenção. Um grito de horror e preocupação misturado com a sensação de algo se despedaçando foi de me fazer levantar e ver o que era. Eu esperava que fosse alguma louça se quebrando, já que o som vinha da cozinha.
Mas eu estava totalmente errado.
Vi uma cabeça mexendo-se descontroladamente em baixo da mesa, os fios negros balançando como se estivessem pedindo ajuda. A Débora levantou-se e olhou para mim com o semblante mais assustado e suplicante que eu alguma vez seria capaz de imaginar.
Acredito que o celular que estava estraçalhado em suas mãos também me olharia do mesmo jeito, se fosse capaz de tal.
- Por favor, não conte a ninguém! – Eu não sabia porque ela estava me pedindo tão desesperadamente para que eu ficasse calado. Se o celular fosse de alguém da sua casa, ela poderia simplesmente fingir que ele havia caído sozinho.
- De quem é o celular? – Eu disse sentindo temor da resposta. Havia me lembrado de que o Bernardo, quando entrara no banheiro, não estava com o celular nas mãos.
- Souta, eu imploro, não conte nada ao Bernardo- Ela me pedia com súplica como se aquele segredo custasse a vida dela. Aos seus olhos seria uma coisa muito fácil para mim simplesmente omitir tudo o que havia acontecido. Mas a Débora não poderia imaginar o tamanho da dor que eu estava sentindo ao pensar que ela realmente gostava do Bernardo e estava tão interessada nele a ponto de invadir a sua privacidade.
- Me dê o celular. Vou ver se tem como consertar o estrago que você fez- Eu pedi para que ela me desse o celular para ver se tinha salvação. Eu nunca me senti tão idiota em toda a minha existência, mas eu gostava muito dela. Eu sentia algo tão forte por ela que eu não conseguiria dizer não e deixa-la assumir a culpa.
- Muito obrigada! Eu não sei como pagar esse favor! – Imediatamente um brilho apareceu dentro de seus olhos e ela me abraçou.  Eu senti os pelos da minha nuca arrepiarem. Ela nunca tinha me abraçado assim.
Fiquei observando ela sair da cozinha em direção ao seu quarto a fim de arrumar-se para que pudéssemos começar a trabalhar. Suspirei. Eu tinha que conseguir dar um jeito naquele celular. Sabia que ela não teria dinheiro para pagar um novo, pois tratava-se do último modelo de I Phone que havia sido lançado.
De repente eu me dei conta de que aquela mentira não iria se manter de pé por muito tempo. Assim que pusesse os pés para fora do banheiro, o Bernardo ia sentir falta do celular e eu que levaria a culpa, já que a Débora jamais admitiria isso para ele.
-  Olha o que você fez com o meu celular, corno!- Assim que viu o estrago do seu celular, Bernardo tomou-o de minhas mãos furioso.- Não tem nem uma semana que eu ganhei seu animal!
- Você tá maluco? – Eu ia me defender mas a Débora chegou e me encarou como um cachorro abandonado. Eu suspirei. Como eu podia ser tão trouxa.- Eu vou arcar com os gastos, mas corno é o seu pai!
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Débora:
Eu estava me sentindo muito culpada por fazer o Souta levar a culpa por algo que ele não tinha feito, mas eu simplesmente preferia morrer a admitir que estava invadindo a privacidade do Bernardo de um jeito tão vergonhoso. Se ele soubesse certamente me acharia uma louca desvairada e não ia mais querer proximidade comigo.
Ninguém poderia imaginar como queria voltar no tempo e não ter cometido aquele erro- estou falando de deixar o celular cair, não de olhar a vida do Bernardo hehe-. Mamãe ainda estava terminando de pagar a viagem que faríamos a Portugal no meu aniversário e, apesar de não ser o lugar que eu realmente queria ir, sabia do esforço que meus pais estavam fazendo para substituir a festa de quinze anos que eu não poderia ter. Até que seria legal, pois um primo e sua família também iriam viajar conosco.
Diante da situação, eu sabia que minha mãe teria um ataque cardíaco quando descobrisse o tanto que teria que pagar por um celular novo ao Bernardo- já que pelo estado que o mesmo se encontrava, provavelmente não haveria conserto que resolvesse. Não teríamos condição nenhuma de pagar, ao contrário da família do Bernardo que era podre de rica.
A família do Souta também era de grande poder aquisitivo. Seu pai era dono de uma empresa  de jogos multinacional do Japão que tinha muitas influências internacionalmente. Sua mãe havia se formado em medicina, mas tivera que abandonar o trabalho por conta da mudança ao brasil. Era evidente que o custo do celular do Bernardo não iria fazer diferença na renda da família.
Não que eu fosse oportunista ou interesseira, mas achava que o Souta não iria se importar de fazer aquele fazer um grande favor para uma amiga, já que aquele dinheiro não faria diferença alguma para a vida dele. Eu só teria que pedir de um modo que o comovesse, fazendo a cara mais fofa e sofredora possível, afinal eu tinha certeza de que o Souta era caidinho por mim e faria qualquer coisa para acabar com a minha tristeza. Não posso negar a existência da culpa, mas era a única coisa possível a se fazer para resolver aquela situação.
- É melhor a gente começar a trabalhar- Disse para conter aquela discussão. Souta e Bernardo estavam falando alto e minha mãe não podia nem sonhar com o que havia acontecido.
Os dois fecharam a cara, mas seguiram-me sem reclamar até o meu quarto. Ao entrarmos eu me dei conta de que deveria ter caprichado mais na arrumação, pois haviam roupas espalhadas pelo cômodo e até um conjunto de calcinha e sutiã à mostra. Percebi que os garotos ficaram ruborizados quando notaram a peça íntima em cima da minha cama, então eu a guardei imediatamente dentro do armário. Gesticulei desculpando-me pela bagunça e pedi para que o Souta fosse até a cozinha pegar uma cadeira para que ele pudesse se sentar, já que haviam apenas duas perto da minha escrivaninha.
- Eu achava que as mulheres eram organizadas, mas vejo que estava totalmente enganado- Bernardo começou a enfileirar os livros, que estavam espalhados na escrivaninha, em cima das prateleiras. Eu obviamente fiquei morta de vergonha e comecei a imaginar a voz da minha mãe falando dentro da minha cabeça: “ Continue deixando o seu quarto bagunçado e você passará vergonha quando trouxer um garoto”.
- Eu ia arrumar ontem, mas acabou não dando tempo...- Ele começou a rir da minha desculpa esfarrapada.
- A minha irmã usa a mesma desculpa, linda- Ele colocou minha franja atrás da orelha e me puxou de um jeito tão envolvente que fez-me arrepiar dos pés até o último fio de cabelo. Meus lábios começaram a pulsar, eu queria beija-lo naquele exato momento.
Alguém limpara a garganta fazendo-me sair de meus pensamentos.  Souta observava a cena sério, com um olhar perfurador. Eu e Bernardo nos afastamos, então eu me sentei entre os dois e nós começamos a fazer os slides e ensaiar a apresentação que seria sobre a arte e a realidade, um tema muito chato que que fazia-me ter preguiça só de ler o título.
-Vocês sabem que a professora vai sortear a pessoa que vai apresentar né? Por isso é melhor vocês estudarem muito para não falar merda prejudicar o grupo.-  Apesar de o Souta  ter falado no plural, eu sabia que aquilo era uma indireta para o Bernardo. Os dois não se davam muito bem, apesar de que, na verdade, era ele que não se dava com o Bernardo.
- Não se preocupe, eu faço tudo muito bem- O Bernardo encarou-me ao terminar a resposta, fazendo com que rugas surgissem na testa do outro.
Já era noite e os meninos já haviam ido em bora. Eu estava exausta por isso resolvi tomar um banho quente, vestir um pijama leve e assistir a alguma coisa na TV no quarto dos meus pais, já que eles haviam saído para um evento da faculdade e não iriam retornar tão cedo.
Desci para a cozinha, fiz uma pipoca de micro ondas e peguei um resto de coca-cola que estava guardado na geladeira. Eu tinha uma mania de assistir aos clássicos da Disney milhões de vezes à noite, tanto que eu havia decorado a letra das músicas de praticamente todos os filmes e inclusive as falas dos personagens. Eu até tentava imitar as vozes quando estava sozinha para me divertir.
Mas antes de acomodar-me, eu lembrei que tinha que contar o que havia ocorrido para a Açu, além do que eu havia descoberto sobre o Bernardo. Resolvi fazer uma ligação e estava certa de que ela iria atender, já que ainda eram sete horas da noite.
#LIGAÇÃO DÉBORA E AÇUCENA:#
“ Olá Débby, finalmente resolveu se lembrar da existência da sua melhor amiga?”- Ela disse e sua ironia me fez rir.
“ Como poderia esquecer? Eu liguei por que queria contar de algo que aconteceu hoje.
“Não me diga que o Bernardo finalmente te pediu em namoro?”- Ela disse entusiasmada, mas eu sabia que a Açu estava apenas sendo brincalhona.
“ Quem me dera que fosse isso. Acontece que eu consegui descobrir umas coisas da vida dele...”
“ O que foi que ele disse? Conte com detalhes!”- A sua ingenuidade me surpreendia. Até parece que o Bernardo sairia contando da vida dele a mim como se eu fosse a sua namorada.
“ Ele não me disse nada. Lembra que teve a reunião na minha casa do trabalho de artes, eu, ele e o Souta? Digamos que ele é muito distraído e acabou deixando o celular em cima da mesa...”
“ Não acredito que você fuçou o celular do menino, que coisa feia! Mas me conta, o que foi que você descobriu?
“ Bom, eu descobri que ele é muito popular e que tinha uma namorada bonitona, não sei se eles ainda estão juntos...”
“ Me manda uma foto da vadia!”- A Açucena conseguia ser engraçada em qualquer hora. Enviei a foto que achei menos bonita, claro.
“ E aí?”
“ Desculpa te dizer isso, mas ela é realmente muito bonita...”
Eu senti que o meu orgulho tinha sido ferido e que a minha autoestima tinha sido pisada e colocada num buraco.
“ Eu acho a Luiza da nossa sala mil vezes mais bonita que ela”- retruquei.
“ Então você precisa de um óculos! O Ricardo não pode nem sonhar com essa menina, senão é capaz dele me largar”
Naquela hora eu tinha me arrependido de falar sobre aquilo com a Açucena ao invés de ter falado com a Tatiana ou a Laura, pois elas com certeza iriam ficar do meu lado e diriam que aquela namoradinha do Bernardo era uma sem sal e que eu era muito melhor que ela. A Açucena era sincera como ninguém, e isso me irritava profundamente. Argh!
“ Mas eu acho que ela deve ser muito fútil e burrinha. Só posta fotos na praia, como todas as outras meninas desinteressantes! ”- Argumentei. Eu tinha que me colocar acima daquela garota custe o que custasse. Tinha que haver algum defeito nela, e mesmo que este estivesse bem lá no fundo do poço eu estava determinada a descobrir.
“ O instagram não é um livro de filosofia, Débora! As pessoas querem ver fotografias, não um texto elaborado ou um poema de Fernando Pessoa! Você só está dizendo isso porque nunca posta nada!- Ela rebateu e eu comecei a duvidar se ela era a minha melhor amiga mesmo. Ela deveria estar do meu lado e concordar com tudo que eu falasse da Thalita, como uma verdadeira amiga faria e não ficar defendendo a inimiga só para me colocar num nível abaixo dela.
“ Do jeito que você fala parece que você quer que o Bernardo fique com ela!”- Eu disse e ela começou a rir da minha cara. Ela pediu para que eu aguardasse para que pudesse tomar uma água, a fim de conter os soluços. Quando a Açucena tinha se tornado uma cascavel? Só faltava um chocalho para completar porque a língua já era bem afiada!
“ Eu não quero que o Bernardo fique com ela, Débora. Eu quero que ele fique com quem ele quiser! Se for você, ótimo! Eu só quero que você entenda que ela não vai virar a sua inimiga mortal só porque ela teve- ou talvez tenha- alguma coisa com o Bernardo. Apenas use todo o seu poder e conquiste ele!”- Ela suspirou e continuou-“ Eu não vou mentir para você dizendo que ela não é bonita, porque ela é, e muito. Mas você também é bonita e pode fazer o Bernardo se apaixonar por você! Você só precisa parar de ser paranoica e deixar as coisas acontecerem!
“ Mas eu não quero fazer papel de idiota e deixar o Bernardo me iludir para depois ficar com a outra! Eu quero ter certeza de que ele quer algo comigo.”- Eu nunca havia sido iludida  e não seria agora que eu iria ser. Eu tinha muita vontade de dizer os meus verdadeiros sentimentos ao Bernardo, mas também não queria levar um fora e ainda ter que encontra-lo todos os dias quando fosse estudar.
“ Débora, se você não fizer nada, nada vai acontecer. Eu já fui iludida pelo Ricardo uma vez, e você sabe como doeu quando eu descobri que ele namorava a Catarina que era da nossa sala no ano passado, e que ele me via como uma simples amiga. Ele só respondia as mensagens que eu mandava no direct- achando que ele estava interessado- por educação. Eu segui em frente e, um ano depois, ele começou a me procurar e pronto: agora estamos namorando! ”
Eu me lembrava muito bem do dia em que a Açucena fora aos prantos à minha casa no dia em que a Catarina disse que o Ricardo era o seu namorado. Ela ficou com aquilo na cabeça por meses, até conhecer o Henrique, um menino que frequentava a mesma academia que ela.
“ Eu entendo o que você passou, mas eu tenho o direito de não querer passar pelo mesmo.” – Eu abaixei o volume da televisão e continuei- “ Eu não devia mesmo ter pegado o celular do Bernardo. Você não sabe o que aconteceu!
“ O que?”- Respondeu, curiosa.
“ Eu deixei cair no chão e ele quebrou todinho. E não era nada mais nada menos que um I phone 7 plus!”- Eu disse e em seguida tive que afastar o telefone dos ouvidos por conta do grito de horror que ela havia dado.
“ E como você vai fazer para pagar, sua maluca? Sua mãe vai te matar!”
“ Eu implorei e o Souta assumiu a culpa!”
“ O que?! Eu sabia que ele te amava, mas não que chegava a esse ponto!- Ela disse e eu sorri. Apesar de eu não gostar do Souta eu adorava saber que ele sentia aquilo por mim e que ele faria qualquer coisa para me agradar. – “ Mas você vai dar o dinheiro a ele, certo?”
“ Em que dimensão você acha que eu tenho aquele dinheiro? Além disso, a minha mãe não pode saber! Vou pedir para o Souta pagar, e assim que eu tiver condições eu vou reembolsa-lo!
“ Como assim “ Assim que eu tiver condições”, Débora? Quando você for médica? A família do Souta tem dinheiro, e eu sei que isso não faria diferença, mas eu acho que ele não vai ser idiota ao ponto de aceitar um pedido desses!”
“ Mas eu vou pagar a ele quando puder!”
“ Jamais peça uma coisa dessas! Você quer passar vergonha? Ele vai te esculhambar se você fizer isso! Você tem que agradecer de joelhos pelo Souta ter assumido a culpa e não ter deixado que você queimasse o próprio filme com o Bernardo, pois se ele descobrisse não ia querer nem olhar na sua cara!”
#FIM DA LIGAÇÃO#
Quando eu contei que iria pedir ao Souta para pagar a Açucena só faltou sair do Telefone e me engolir como se ela fosse um buraco negro e eu um asteroide do espaço sideral. No entanto eu tive que admitir que foi bom eu ter falado com ela antes de dizer qualquer coisa ao Souta, pois o seu humor não estava dos melhores. Para falar a verdade, mas parecia que a minha mãe havia tomado o seu celular e mandado aquelas mensagens de propósito apenas para eu me sentir culpada.
Whatsapp- Débora e Souta:
-Oiii
- Oi, Débora
- Posso te ajudar em alguma coisa?
- Eu só queria agradecer por você ter sido tão legal comigo hoje! Você me livrou de uma fria!
- Não se preocupe com isso.
- Eu vou passar o número da conta do meu pai e você me manda o dinheiro, ok?
- Sim, eu mando o dinheiro. Claro que vou mandar kkkk. A minha mãe vai me matar quando descobrir kjkjkjkj
- Eu sei como a sua mãe é, mas pelo menos o Bernardo não vai saber do que você andou fazendo no celular dele.
- Pois é né? Kkkk
- Débora, desculpa se eu parecer grosso, não é a minha intenção. Mas por favor, pare de me meter nos seus problemas com o seu namorado. Valeu.
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Aquele mês passou tão rápido que para mim foi como se fosse apenas uma semana. Para a minha sorte- para não dizer o contrário- eu fora a pessoa sorteada para apresentar o trabalho de artes. A minha apresentação deve ter sido boa, já que a professora não me fez nenhuma pergunta- ela costumava fazer perguntas caso faltasse alguma coisa importante na explanação. No entanto, eu não tinha como ter certeza de nada estudando naquela escola, já que as minhas notas em geral estavam no fundo do poço.
A minha mãe só faltou me esganar quando soube do que havia acontecido com o celular. Claro que eu menti dizendo que fora o celular do Souta, para que ela não contasse o que realmente havia acontecido à Anaita e tudo chegasse aos ouvidos do Bernardo. Às vezes eu sonhava com o dia em que ele descobrisse a verdade e não quisesse me ver nem pintada de ouro, além de que ele seria bem capaz de me bloquear de todas as redes sociais a fim de evitar que uma “perseguidora maluca” investigasse a sua vida- Bom, eu estava investigando a vida dele, mas com estilo.
A punição que recebi foi a de ficar com o antigo celular por mais um ano. Eu estava louca para trocar por um melhor, pois ele travava toda hora e não funcionava direito, além de eu já ter passado três anos usando e reutilizando. Mas nada daquilo me fazia deixar de me sentir aliviada pelo Bernardo não ter sabido de nada. Eu poderia até usar um nokia de botão, e ainda assim eu ficaria sem reclamar uma vez sequer.
Já era dia quinze de abril e eu estava ansiosa para viajar para Portugal, pois faltavam apenas 24 horas para eu não estar mais em solo brasileiro. A minha casa estava na maior agonia pois minha mãe tinha virado tudo de cabeça para baixo procurando o passaporte devido a irresponsabilidade de ter deixado para procurar de última hora.
Sorte que ela conseguiu encontrar, pois sem ele ela não poderia viajar. Ela e todos nós, pois sabíamos que não iria ter perdão se a deixássemos para trás.
O Thiago iria ficar com a casa só para ele por uma semana inteira, já que ele não viajaria por conta da faculdade de biologia. Eu estava me dando ao luxo de ir àquela viajem, mas iria perder um dia de provas e por isso eu teria que fazer segunda chamada toda aberta de física, química e biologia, ou seja, a minha situação não era das melhores.
Eu fazia questão de não comentar nada daquilo com a minha mãe, pois se eu falasse que qualquer coisa ruim poderia acontecer por conta daquela viajem- ou apenas dissesse estar preocupada- ela iria me responder com unhas e dentes, e também dizer que “ Você nunca mais vai viajar a não ser nas férias, vamos eu e seu pai e você fica aqui”.
Eu estava meio triste porque iria ficar sem ver o Bernardo por uma semana e também preocupada, pois muita coisa pode acontecer em uma semana. Como ele encontrar a possível namorada, por exemplo. Toda vez que eu imaginava os dois se beijando eu sentia vontade de chorar e de vomitar ao mesmo tempo.
A Açucena exigiu que eu trouxesse algum presente para ela quando voltasse de viajem, já a Laura e a Tati não pediram com palavras, mas pelo olhar eu sabia que elas também gostariam de receber alguma lembrança. Eu não queria dar alguma coisa para a Paola, mas a mamãe me obrigara dizendo que seria feio se eu deixasse alguém do grupo sem receber. Como se a Paola ligasse se eu lhe presenteasse ou não, já que ela me “ama” tanto...
Quando chegamos ao aeroporto eram uma da manhã, então eu estava praticamente dormindo acordada. Fora como se eu tivesse sido sequestrada e colocada dentro do avião, pois eu havia perdido muitas cenas antes do embarque. Eu só me lembrava da hora em que fomos fazer o check-in, mas depois disso, quando abri os olhos, estávamos prestes a decolar.
    Quando cheguei à terra firme, comecei a desejar que tivesse sido sequestrada e levada a Portugal sem poder voltar ao Brasil por um bom tempo, pois a viajem havia sido incrível...
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*Bernardo*
Eu não sei no que eu estava pensando quando estava no quarto sozinho com a Débora. Nós ficamos tão próximos um do outro que eu perderia o controle se o Souta não tivesse chegado para atrapalhar.  E ainda bem que ele atrapalhou. A Thalita não iria me perdoar se eu a traísse e, se isso acontecesse, eu não conseguiria esconder por muito tempo. Seria como se a palavra traição fosse tatuada na minha testa em letras garrafais.
A Débora havia apresentado muito bem e pela cara da professora aparentemente iríamos tirar uma nota boa. Eu fiquei muito surpreso, pois a Débora não parecia saber falar tão bem em público e lidar com situações de pressão. Na verdade, ela aparentava ser tão ansiosa e cheia de preocupação com o que os outros iriam pensar que chegava a ser um pouco irritante.
Quando cheguei em casa, após jantar e tomar um banho- um banho bem gelado, o suficiente para tirar a tensão de um dia inteiro no colégio- resolvi fazer uma chamada de vídeo coma Tatá pelo whatsapp. Nós tínhamos o habito de conversar por vídeo todas as noites, e eu sabia que ela iria me infernizar se eu esquecesse de chamá-la.  Para ser verdadeiro, eu tinha certeza de que a Thalita iria dar um grande escândalo naquela vez, pois o Souta havia demorado um mês inteiro para me pagar um celular novo. Liguei o ar condicionado na temperatura mais fria possível e fui escovar os dentes. Quando voltei ela já havia atendido e estava com cara de que tinha muita coisa para falar.
“ Olá meu bebê, achei que não ia me ligar nunca mais! No mês passado nós tínhamos marcado um dia de conversar por vídeo a tarde inteira, mas você sumiu do mapa! ” Eu odiava ser chamado de bebê mas ela não estava nem aí para a minha opinião. Por isso eu já havia me acostumado e deixado de reclamar, pois mudar a cabeça da Thalita era como negar a existência da gravidade ou dizer que a terra é plana.
“ Foi mal, é que eu estava na casa de uma amiga”
Ela demorou alguns minutos para responder e, de repente, a seriedade tomou conta de sua expressão.
“ Olha, Bernardo, eu sei que nós namoramos a distância, mas não é por isso que eu fico até altas horas na casa dos meus “amigos””- Eu fiquei surpreso. A Thalita nunca havia revelado o seu lado ciumento quando eu estava morando em Porto seguro. Na verdade, eu achava que eu era quem realmente ligava para a nossa relação.
“ Foi só por causa de um trabalho. E quem disse que eu fiquei até altas horas? A reunião acabou muito cedo, não eram nem cinco horas da tarde Thalita!- Eu queria saber de onde é que tinha saído aquela Thalita preocupada e ciumenta. Pois a Thalita que eu conhecia era a que ia para todas as festas e voltava apenas no dia seguinte sem me dar a mínima satisfação. Eu sabia que ela tinha o jeito brincalhão de ser, que ela sabia se enturmar, falava com todo mundo, por isso eu não me incomodava tanto dela sair sem a minha presença. Até porque se eu reclamasse de qualquer coisa ela iria dizer que eu era machista e que ela era a dona do próprio umbigo e podia fazer o que quisesse sem ter que me dar explicações.
“ Como você quer que eu não estranhe as coisas Bernardo? Você some por um mês inteiro e só hoje à noite vem me procurar e ainda diz que estava na casa de uma amiga?! Você deve ter se divertido muito para ignorar a existência da sua namorada por todo esse tempo!”- Ela aumentou tanto o tom de voz que eu instintivamente tirei os fones de ouvido para que não ficasse surdo. Eu respirei fundo para tentar não dizer algo que piorasse a situação.
“ Eu não fiquei sem falar com você porque eu quis, Thalita. Acontece que um quadrúpede acabou com o meu celular e ainda demorou um mês inteiro para me dar um novo. Se você não estiver satisfeita eu posso te mandar uma foto, já que você parece que não confia mais na minha palavra! Se você não tem mais confiança a gente pode acabar por aqui, eu não vou deixar de fazer o que eu quero só porque você está acostumada a ter tudo sempre do jeito que você quer! - De repente o seu celular caiu e a tela ficou toda preta, e somente depois de dois minutos eu consegui vê-la novamente. Ela havia lavado o rosto, mas ainda dava para perceber que ela estava chorando. A pele do seu rosto estava vermelha e as sardas mais marcadas ainda.
“ Eu vou desligar o celular agora, eu não quero mais conversar sobre isso.- Sua voz estava falha, como se estivesse usando pela última vez os seus pulmões.  Seu olhar começou a ficar acinzentado, como se seus olhos não fossem mais capazes de focar no que havia a sua volta. Então ela caiu da cadeira e desmaiou. Ela estava sozinha em casa e eu não estava conseguindo visualiza-la porque a câmera não conseguia pegar as imagens do que estava no chão.
Foi aí que o desespero me invadiu.
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Assim que soube que a Thalita tivera que ficar internada num hospital eu peguei o primeiro voo que havia para Porto seguro no final de semana. Minha mãe achou uma loucura da minha cabeça e insinuou que a Tatá havia feito aquilo de propósito para me deixar preocupado. Claro que eu não liguei para a sua opinião, pois eu sabia que ela não gostava nem um pouco da minha namorada e fazia questão de me manter longe dela.
Por sorte ela havia recebido alta logo, e já estava repousando em casa, o que para mim fora um alívio. Eu estava começando a me sentir culpado por conta da discussão que tivemos e, se algo muito grave tivesse acontecido com ela, eu não iria me perdoar.
A mãe da Thalita era uma senhora muito simpática. Assim que toquei a campainha, ela me recebera de braços abertos e já com a mesa do almoço pronta e arrumada. Inevitavelmente fui contaminado pela fome, pois o cheiro da comida da Dona Cíntia era de dar água na boca.
- Como foi de viagem, Bernardo? Você deve estar morrendo de fome! Pode sentar e se servir, pois o almoço já está pronto e fiz questão de preparar aquela moqueca de camarão que você adora!- Ela retirou  o avental e o pendurou em um cabide perto da geladeira, junto com um par de luvas de fogão.
- Não precisava dessa mordomia toda, Dona Cíntia! Eu comi um sanduíche no aeroporto, mas como a senhora deve ter tido trabalho para fazer essa moqueca maravilhosa é claro que eu não vou fazer desfeita- Eu comecei a colocar a moqueca no prato, depois o arroz e em seguida o pirão e a farofa. Já estava quase comendo quando me dei conta da ausência da Thalita na mesa.- A Thalita não vem almoçar?
-Ela está dormindo, tadinha... Eu fiz uma sopa para ela já que a moqueca é muito pesada pra ela que está fraca. Mas o médico disse que está tudo bem, que foi somente uma queda de pressão.-A Cíntia olhou para o meu prato que já estava vazio. Eu levantei a fim de lavar a louça mas ela me interrompeu.- Pode deixar que a menina que trabalha aqui lava, menino! Você é visita! A Thalita já deve ter acordado, vá lá em cima ver como ela está!
Quando cheguei ao quarto a primeira coisa que vi foi a Thalita escovando os cabelos sentada em sua penteadeira. A luz do sol fazia as suas mechas parecerem ainda mais avermelhadas do que já eram e elas contrastavam com o pijaminha azul escuro que estava usando.
Assim que me viu pelo reflexo do espelho a sua expressão se tornou séria.
- Oi Bernardo. Não imaginei que você viesse...- Ela levantou e automaticamente puxou o shorts, que estava extremamente curto, mais para baixo. Não sei porque ela se incomodou em mostrar o seu corpo para mim, afinal nós já namorávamos há um ano, e eu tenho que dizer que adoraria ter aquela visão.
- Que tipo de namorado você acha que eu sou? Claro que eu viria!  – A seriedade em seu rosto suavizou um pouco depois de ouvir as minhas palavras. Ela foi pegar uma toalha no guarda-roupa e eu a abracei por trás- Eu fiquei muito preocupado com você, Thalita. Mesmo com a minha mãe reclamando dizendo que eu não tinha que vir, eu peguei o primeiro voo só para ver como você estava.
- Mas não foi você que disse que “a gente acaba por aqui”? – Ela brincou arqueando uma das sobrancelhas. Ela saiu do meu abraço e sentou na cama abraçando um urso de pelúcia.- Não pense que eu ia ficar chorando igual uma desmiolada só  porque você terminou comigo, há muitas outras opções aqui em Porto seguro...
- Ahh, agora estou entendendo...- Eu sentei ao seu lado, também entrando na brincadeira- Quer dizer que você já tem alguém planejado para me substituir...Não imaginava que você fosse cometer esse erro, mesmo sabendo que eu sou insubstituível!
- Aham, fique achando...- Ela revirou os olhos e mordeu o lábio inferior.
- Eu não acho, eu tenho certeza! Ninguém beija melhor do que eu e você sabe muito bem!- Eu cheguei mais perto e coloquei um de meus braços atrás de suas costas.
-  Eu não sei de nada... Você está se achando muito pro meu gosto...-  Ela fez um coque frouxo deixando o pescoço a mostra.
- Você quer mesmo pagar pra ver?- Antes que ela pudesse responder nós já estávamos nos beijando. Eu estava por cima e ela parecia estar se divertindo muito lá em baixo.
- Bernardo...- Eu ignorei a sua fala e comecei a distribuir beijos pelo seu pescoço.- Bernardo, para!
Comecei a descer as minhas mãos pelo meu corpo até que ela me empurrou e deu um tapa em minha cabeça.
- Você ficou maluca?!- Reclamei enquanto massageava o enorme galo que havia se formado em meu couro cabeludo. A mão da Thalita era tão pesada que parecia que ela havia me batido com uma pedra.
- Eu pedi para parar mas você não me atendeu!- Ela respirou fundo e continuou- Eu quero que você me diga quem é a tal da sua “amiga”. E não venha me dizer que não tem nada a ver, porque eu sou a sua namorada e preciso saber!
- Você vai começar com isso de novo? A Débora é uma amiga minha que eu conheci aqui quando ela viajou de férias pra cá, só isso!- Ela parecia não acreditar no que eu estava falando- Eu não entendo esse seu ciúmes sem lógica nenhuma. Eu conheci a menina há três meses, nós somos só amigos! Se você deixasse essa sua imaturidade de lado e quisesse conhece-la, você ia ver como ela é gente boa!
- Eu não tenho o menor interesse em conhecer essa menina, Bernardo. E além do mais, isso não é imaturidade. Eu só quero cuidar do que é meu.
- O que é que fazer um trabalho na casa da menina tem a ver com “cuidar do que é meu”? Se eu quisesse mandar você se arrombar e ficar com a menina eu já tinha feito isso há muito tempo! E se eu por acaso quiser, eu vou fazer isso- Ela ficou surpresa com o que eu havia falado. Eu havia me excedido, eu sei, mas aquela conversa estava me dando nos nervos.
- Então quer dizer que quando eu menos esperar você vai mandar eu me arrombar e ficar com ela? Agora eu vejo o quanto eu tenho importância para você!
Eu estava me segurando para não dar um tapa na Thalita naquele exato momento. A minha raiva era tão grande que eu sentia meu sangue ferver.
- Você é realmente impossível! Você conseguiu estragar um fim de semana que poderíamos passar juntos.- Eu me enfureci e respirei fundo a fim de controlar a minha fúria.
- Se está irritadinho, pode ir embora! Você não é obrigado a ficar comigo e me aguentar! Vai, pode pegar o primeiro voo e voltar!  - O estrondo da porta batendo com força fez com que ela pausasse a fala. Enquanto descia as escadas em direção à cozinha escutei- Seria melhor se você tivesse ouvido a sua mãe não tivesse vindo!